Em Humana
Em meados de 2021, quando o mundo todo vivia uma pandemia impensável — shoppings, cinemas, lojas e outros estabelecimentos fechavam suas portas. Já que frequentar lugares não era mais uma opção, uma alternativa para manter a sanidade e encontrar conforto, ficava sob responsabilidade das séries e filmes que assistiríamos para fugir um pouco da realidade.
Incerteza, ansiedade e solidão aumentavam o nosso consumo de telas, enquanto isso grandes produções dos anos 90 como “Friends”, “Sex and the city” e “Gossip Girl” ganhavam nossa atenção, contribuindo para a nostalgia de um tempo onde as ruas da cidade estavam cheias de encontros e diferentes possibilidades.
Segundo Kristine Bratcho, pesquisadora e psicóloga do Le Moyne College, a nostalgia é uma resposta comum quando uma economia problemática atrapalha nosso estilo de vida.
E não é à toa, que tenhamos recorrido a um movimento de retorno, voltando para nossa cidade natal, procurando antigos amigos para infinitas chamadas de vídeo ou até mesmo evocando memórias de um tempo distante.
Se nós, consumidores finais, estávamos em um claro movimento de regresso aos “velhos tempos”, por que as marcas não fariam o mesmo?
Embora cada um experimente isso de maneira diferente, todos somos afetados pela nostalgia. Estratégias de branding aproveitam o poder da nostalgia para conectar o consumidor às experiências e, em alguns casos, até a conceitos do passado de sua própria marca. Um dos principais argumentos que contam a favor da nostalgia na estratégia de branding é a ideia de conectar o seu público a partir de boas lembranças do que já foi feito e utilizar dessas memórias como porta para o que vem por aí — quase como uma ponte para o futuro.
Saímos do coronavírus vacinados, em um mundo onde calça jeans mom, fones de ouvido com fio e tendências dos anos 2000 estão de volta. O ressurgimento da tendência old money — com colares de pérolas, polos Ralph Lauren e meias brancas — e fotos polaroid, voltaram aparecer através de threads no Tik Tok, exercendo maior influência sobre o que os consumidores passariam a comprar. Historicamente falando, velhas tendências voltavam após 30 anos, quando não, geralmente voltavam em 20 anos, mas hoje, com o ritmo rápido de vida que estamos vivendo, as tendências de moda estão voltando a cada 15 anos.
O segredo da nostalgia não é a replicação, mas sim a evolução. Marcas podem aproveitar essa alegria do passado e dar a essa alegria um novo contexto para o futuro.
Nostalgia: delicado mas potente.
A Apple é reconhecida por sempre trazer inovação para o mercado de tecnologia e design, geralmente faz um ótimo resgate para provocar nostalgia. Para anunciar um recente produto da marca, a empresa começou um vídeo chamado “Start up” (em português, comece).
O vídeo inicia com um produto ligando, ele é o precursor da história da Apple, o Imac G3. Claramente, convidando os sentimentos nostálgicos dos fãs da marca a partir da sua imagem e o som de start inconfundível. No entanto, ao decorrer do vídeo os sons de outros produtos mais recentes são adicionados, como o estojo dos EarPods, o plug do carregador do Mac, antigos Ipods e outros. A mensagem é muito clara: “Ei, você se lembra desses produtos icônicos? Agora é a hora de ficar animado com o que vem por aí, com nossos novos produtos e as memórias que você construirá com eles”.
Já em uma recente campanha da Pizza Hut, com a marca “Newstalgia” algumas caixas de pizza foram ilustradas com um gabinete de fliperama do Pac-man. A ação trazia um QR code que incentivava os clientes a apontarem a câmera para ele e jogarem por meio de seus celulares.
A nostalgia como potencial de estratégia de branding pode acabar quando as marcas tentam se associar a memórias do passado onde nem sequer se encaixam.
“Nostalgia — é delicado, mas potente… É uma pontada no coração muito mais poderosa do que apenas a memória… Leva-nos a um lugar onde queremos voltar.” Don Draper, Mad men.
A MARCA NOSTÁLGICA: UMA FERRAMENTA PODEROSA.
A nostalgia pode ser um mecanismo de defesa comum para pessoas que tentam encontrar sentimentos em tempos incertos, por isso não é surpresa que bons lançamentos de marca, alimentadas por essa estratégia estejam dando tão certo.
Um exemplo disso pôde ser visto no relançamento do Lollo, da Nestlé.Reconhecido por ser “o chocolate mais fofinho da marca”, o emblemático produto volta às gôndolas com a sua identidade visual original. Essa estratégia de branding ativa memórias provocadas pelos seus sentidos, a imagem do produto, o gosto e o cheiro. Tudo isso ressoa em um nível pessoal de cada indivíduo.
Diferente da chocolate Lollo, a “Barbie” decidiu usar a mesma estratégia, mas com objetivos diferentes. Presente na vida de milhares de pessoas e agora com o lançamento do seu novo filme, a marca abre espaço para uma ressignificação, recriando conexões com as pessoas e permitindo novas interpretações de seus símbolos — ressignificando os seus estereótipos, buscando aumentar a parcela de pessoas com quem a marca conversa.
A partir de elementos proprietários, a famosa boneca decidiu olhar para trás e lançar produtos que se adaptam ao recorte temporal, com a construção de uma brand persona que adaptável às mais variadas mídias, com parcerias estratégicas que permitiram que a Barbie se lançasse em um novo mundo, onde valores e o que ela significava não têm mais espaço.
E dessa forma, o recente filme pega carona no enorme buzz de várias marcas de roupas, calçados, artigos de casa e outros parceiros para o seu lançamento. A admiração e a empolgação de quem viveu essa magia da marca prova que são as memórias de gerações que despertam familiaridades e se tornam uma força poderosa para o engajamento.
Já no universo dos celulares, a mais recente estratégia de revisitar o passado apontando para o futuro, ficou com a Motorola. O ação de trazer Glória Groove cantando “Oops!…I Did It Again”, sucesso de Britney Spears dos anos 2000, apresentou um dos novos smartphones dobráveis da marca. Os aparelhos se destacam por seu design nostálgico de flip, sendo uma ponte entre passado e o futuro.
A marca nostálgica é uma ferramenta poderosa para construir conexões emocionais rapidamente. É uma das opções para destacar algumas coisas que fizeram da marca um sucesso lá atrás. É uma forma de se reinventar trazendo o novo, encorajando o público a abraçar o que é recente, mas adotando uma postura autêntica e conectada ao DNA da marca.
E o que acontece daqui pra frente?
Nossas memórias estão mudando a todo momento, elas não são cem por cento concretas. Um novo contexto associado a uma marca pode mudar uma memória para se apresentar de forma nostálgica, como aconteceu quando Oreo resgatou a turma do castelo “Rá-tim-bum” para um episódio inédito da série.Resgatando os laços afetivos de gerações que passaram suas tardes se divertindo com as aventuras de Nino, Morgana, Biba e Zequinha.
Às vezes, as marcas podem se precipitar e dar alguns saltos errados que não alcançam um estratégia de valor conectada com seu público. Mas quando o território é familiar, com uma sensação de retrospectiva sobre tudo que aprendemos nele, não há desculpas para errar.
E o que tudo isso pode dizer sobre nossos comportamentos e formas de consumo? A partir desses movimentos, buscamos relações de confiança onde garantimos a certeza de que será bom. Esse é um reflexo autêntico da era da informação, onde tudo acontece muito rápido, instantâneo, quase efêmero. Independente do meio veiculado, a nostalgia juvenil promove um sentimento de pertencimento fortalecendo relações a partir de experiências compartilhadas.