em Engajada
Você já deve ter notado a recente explosão de marcas que afirmam ser guiadas por propósitos. O conceito de “purpose-led” está em alta, e não é à toa. De acordo com a Forbes, os consumidores têm 4 a 6 vezes mais chances de comprar, proteger e defender empresas orientadas por propósitos. Ter um propósito claro pode dar uma vantagem competitiva às marcas. E, como sempre, quando algo dá vantagem, todo mundo quer fazer parte.
No entanto, há uma tendência preocupante de marcas se apropriando de causas apenas para causar uma boa impressão. Isso ficou conhecido como “purpose-washing”, um termo que destaca o cinismo por trás de propósitos bonitos que podem ser apenas fachadas. É como o “greenwashing”, que é a falsa apropriação de causas verdes para criar uma imagem positiva. O “purpose-washing” vai além, abrangendo organizações que se apropriam de causas que não são realmente seu propósito, apenas para parecerem engajadas em assuntos urgentes.
O propósito de uma marca sempre foi essencial para sua existência. Recentemente, parece que essa palavra inspiradora está sendo usada para criar algo que a audiência queira ouvir, em vez de algo que represente os valores e as pessoas envolvidas. Como disse o profissional de marketing Peter Field, autor do livro “Marketing na era da Mensuração”, muitas pessoas estão negligenciando o valor do propósito devido à quantidade de propósitos completamente desconectados e irrelevantes por aí.
Existe uma pauta certa?
Ter uma missão única e autêntica que abrace uma pauta pertinente é fundamental para a unidade e a imagem da marca. No entanto, é importante lembrar que há muitas questões importantes no mundo, e sua urgência e importância variam de acordo com as características e o ambiente de cada pessoa.
Cada indivíduo tem suas próprias preocupações e interesses. Uma mulher lésbica, por exemplo, provavelmente se preocupa mais com questões de gênero e causas da comunidade LGBTQIA+ do que com os impactos da indústria da agricultura. Da mesma forma, um homem negro provavelmente está mais envolvido com o movimento Black Lives Matter do que com a dificuldade de acessibilidade em locais públicos. Isso não significa que outros problemas não sejam importantes, apenas que cada pessoa tem suas próprias prioridades.
O que vemos com frequência é uma marca adotando uma dessas causas (ou todas elas) como seu propósito, esquecendo que essas causas não devem ser apenas palavras em uma campanha. São temas sérios que afetam diversos públicos, principalmente aqueles envolvidos com a marca. Um comercial provocativo, um post nas redes sociais ou pôsteres legais no local de trabalho não vão automaticamente transformar uma empresa em uma organização guiada por propósito.
O feito é melhor que o perfeito?
Alguns argumentam que é melhor uma marca dizer algo do que não dizer nada, mesmo que não esteja praticando o que prega. No entanto, as organizações ainda são passíveis de responsabilidade e crítica por suas atitudes. O público, principalmente os Millennials e a Geração Z, está mais atento às ações de uma marca do que às suas palavras. Atitudes reais e tangíveis precedem o propósito de marca, construído pelas pessoas que a representam e pelas ações do dia a dia. Quando algo é dito e não é praticado, o público e os colaboradores sentem que estão sendo enganados e que os discursos da marca não valem nada.
Como diz o ditado, uma ação vale mais que mil palavras. Infelizmente, vemos exemplos clássicos de “purpose-washing” todos os anos. A virada do dia 31 de maio para o 1º de junho é marcada por várias marcas utilizando bandeiras coloridas nas redes sociais e em seus produtos para celebrar o Mês do Orgulho. Mas, no dia 1º de julho, a temática já é esquecida. Além disso, algumas dessas mesmas organizações que colocam arco-íris em suas logos durante junho já financiaram políticas homofóbicas e transfóbicas. Fica a pergunta: elas realmente estão celebrando o Mês do Orgulho e apoiando a comunidade LGBTQIA+, ou estão apenas em busca do dinheiro gerado por essa causa? (Leia mais sobre esse assunto aqui).
Essas campanhas nos fazem questionar: qual era o objetivo por trás delas? Pensaram no cliente, no ser humano ou apenas na causa? De qualquer forma, vale a pena refletir sobre isso.
Uma marca representa pessoas
Uma marca não representa apenas um produto ou uma empresa. Ela representa pessoas, tanto as que consomem quanto as que estão envolvidas com ela. E essas pessoas não querem ser representadas por uma imagem falsa. A visão que elas têm de uma organização vai além dos produtos, das campanhas e das redes sociais. Deve haver um objetivo que guie todas essas ações. Mesmo que esse objetivo não esteja explicitamente escrito, ele é a essência da marca.
Um ótimo exemplo disso é a Disney. Quando pensamos em castelos, princesas, alegria e magia, é provável que a Disney venha à mente. Talvez você não saiba o slogan da empresa, mas com certeza conhece as músicas de seus filmes e já sentiu a magia nos parques de diversão. E, com certeza, você conhece o projeto social mais importante da Disney, a Make a Wish. A Disney não é nostálgica à toa.(Leia sobre marcas Nostálgicas aqui). Seu propósito de trazer magia e alegria foi muito bem estruturado e executado desde sua criação. E ela não faz isso sozinha. Conta com pessoas que compartilham da mesma visão, e sua reputação é acompanhada por pessoas que a testificam.
Expectativa x Realidade
Às vezes, é melhor ficar quieto? O desalinhamento entre o discurso e a prática fica escancarado quando há um contraste evidente. Isso pode acontecer quando o objetivo da marca é amplo demais ou quando suas ações na prática são incoerentes. Um exemplo disso é o Facebook. A rede social, que originalmente existia para aproximar as pessoas, agora conta com um algoritmo que as coloca em uma bolha, mostrando apenas aquilo que elas gostam e as afastando de outros grupos. Isso por si só já seria ruim, mas piorou quando ocorreu o escândalo do vazamento de dados dos usuários para a Cambridge Analytica. Esse escândalo não apenas causou uma queda drástica no valor de mercado do Facebook, mas também deixou uma mancha eterna em sua história, o que faz com que o público sempre desconfie da marca.
Se uma empresa toma uma série de decisões ruins ao longo de sua trajetória, colocando o bem-estar dos colaboradores e do meio ambiente em segundo plano, não será do dia para a noite que ela se tornará uma referência em sustentabilidade e diversidade. Mas nunca é tarde para mudar. A mudança pode ser lenta, mas uma nova cultura pode ser criada aos poucos.
A Coca-Cola é um exemplo disso. Ciente de que as tampas de suas bebidas geralmente acabam no lixo, a empresa está tentando resolver o problema produzindo garrafas com tampas acopladas. Essa mudança foi lançada no Reino Unido, mas a empresa espera que tenha um grande impacto a longo prazo. Essa preocupação não se restringe apenas ao meio ambiente, mas também está relacionada à imagem e à estratégia da marca. Quando as garrafas ou tampas da Coca-Cola aparecem em praias e aterros, os consumidores reconhecem que são produtos da empresa, e isso prejudica sua reputação. É difícil se apresentar como sustentável se a imagem não condiz com a realidade. A modificação pode ser pequena, mas já é um começo.
O óbvio também precisa ser dito
É possível que um único propósito se conecte com todos? Independentemente disso, uma conduta autêntica e confiável alinhará o propósito da marca a questões gerais. Uma marca transparente, que está preocupada em cumprir suas promessas e satisfazer suas comunidades, faz a diferença. Ela não precisa seguir nenhum hype, e não parecerá falsa ou oportunista ao aderir a alguma causa, porque suas ações sempre estiveram ligadas às suas intenções.
Um exemplo disso é a LUSH, uma empresa de cosméticos que, desde sua fundação em 1980, defende causas sustentáveis e sociais. Quando a pandemia aconteceu em 2020, um gerente da LUSH aproveitou a autonomia das lojas para criar suas próprias vitrines e escreveu: “não entre com os sintomas do COVID-19, racismo, homofobia, sexismo ou transfobia”. Essa frase foi reproduzida de diversas formas pelo mundo. A expressão de um representante da marca não se engajou no assunto apenas porque estava em alta, nem revelou nada novo sobre a empresa. Pelo contrário, apenas evidenciou os valores que já estavam lá.
No final das contas, a meta não é ter uma declaração que “lave” a marca com um propósito como uma ferramenta de publicidade. O objetivo é ter algo em que você realmente acredita, um sonho que impulsione todos os envolvidos em sua organização e algo que você possa entregar. O propósito é essencial, e a forma como você o comunica vem depois. Como disse o fundador da Tesla, Elon Musk: “Trabalhar longas horas para uma corporação é difícil. Trabalhar longas horas por uma causa é fácil”.
O motivo de existir
Lembre-se de que o propósito é intrínseco, ele é descoberto, não inventado. E muitas vezes, ele não é muito claro. Você descobriu o seu propósito e o da sua marca? E se descobriu, consegue comunicá-los de forma coerente? Você sabe o que causa o brilho nos olhos das pessoas que gostam da sua marca? Se você ficou com dúvida em alguma dessas perguntas, seria legal marcar um café.